Foto: Google
O silêncio que perdemos
O crescimento das cidades, o aumento do ruído provocado
pelas máquinas e a maior densidade populacional contribuíram para que o
silêncio se tornasse mais difícil de alcançar e, por isso, mais valorizado em
determinados ambientes.
Atualmente, é difícil ficar em silêncio. A sociedade insta à
submissão ao ruído a fim de se tornar parte do todo, em vez de se manter à
escuta de si mesmo.
Alain Corbin convida-nos a redescobrir o silêncio — não como
ausência de ruído, mas como um espaço de calma, reflexão e presença.
O silêncio não é apenas ausência de ruído. Nós quase o
esquecemos. As referências auditivas desnaturaram-se, enfraqueceram,
dessacralizaram-se. Intensificaram-se o medo ou mesmo o terror suscitados pelo
silêncio.
No passado, os ocidentais desfrutavam a profundidade e o
sabor do silêncio. Consideravam-no como condição do recolhimento, da escuta de
si mesmo, da meditação, da oração, do devaneio, da criação; sobretudo como
lugar íntimo do qual a palavra emerge. Especificavam as suas táticas sociais. A
pintura era para eles palavra de silêncio.
A intimidade dos lugares, a do quarto e dos seus objetos,
como a da casa, era atravessada pelo silêncio.
Os silêncios da natureza, certos sons, fazem ressoar o
silêncio e conferem, ao mesmo tempo, profundidade ao espaço.
Todos os ruídos que se elevam na vastidão do campo, chegam
ao ouvido graças a esse silêncio: são cânticos de trabalho, vozes de crianças,
pios e refrãos de animais e de tempos a tempos um cão que ladra (…) Fez-se um
grande silêncio e ouço como que as vozes de mil lembranças suaves e tocantes,
que se elevam no passado longínquo e vêm sussurrar aos meus ouvidos.
Quando passeia pelos bosques ou no campo, sente que o som é
quase idêntico ao silêncio. As coisas da natureza estão cheias de silêncio.
A evocação do silêncio passado, das modalidades da sua
busca, das suas texturas, das suas disciplinas, das suas táticas, da sua
riqueza e da força da sua palavra pode contribuir para reaprender a estar em
silêncio, ou seja, a sermos nós mesmos.
Alain Corbin - História do Silêncio